A Europa e a América Latina: União de princípios, de interesses ou de nenhum dos dois? – Coluna de Ingo Plöger

Por Ingo Plöger *

A União Europeia se encontrou com a América Latina (CELAC), em Bruxelas entre 17 e 18 julho, para aprofundar a cooperação entre os dois continentes democráticos. Grande era a esperança e a expectativa de um novo olhar da Europa para a América Latina, e de um reconhecimento singular da presente situação europeia pela América Latina.

O presidente Boric do Chile em sua última declaração, chamou para si a responsabilidade da indignação de que seus parceiros latino-americanos não se dispuseram a falar a verdade tal qual ela se apresenta na questão da Ucrania invadida pela Rússia. Finaliza com um apelo pela liberdade universal e o direito da integridade territorial dos países. Dito por um socialista, jovem, advindo de uma das longínquas terras Patagônicas, descendente de croatas, sabia o que estava falando. A Nicaragua, que se opôs em ser clara, e se declarou contraria a esta posição, tirou a unanimidade da declaração final. Uma declaração recheada de bons princípios de cooperação, em todos os sentidos, nas quais não faltaram cobrir os aspectos de civilidade e moralidade aos quais todos aderem, mas nem todos as praticam. Uma declaração lida e relida, demonstra que foram abordados todos os temas de interesse de seus múltiplos parceiros, mas pouca ação concreta. Politicamente quem triunfou, foi o Presidente Macron, da França, que conseguiu reunir representantes do governo venezuelano e de representantes da oposição, para abrir um diálogo, sobre a possibilidade de se restaurar os mínimos de uma democracia na Venezuela, nas próximas eleições. Na presença de importantes presidentes sul-americanos como Lula, Fernandes, Petro, Macron conseguiu endereçar o proposito de não coerção a candidatos para as eleições e por outro lado uma promessa de alívio das coerções econômicas impostas a Venezuela. Macron conseguiu no diálogo, o que nem Fernandes nem Lula, conseguiram na reunião do UNASUL, unir o interesse por eleições dignas, transparentes e legitimas.  A Europa de fato se esforçou em demonstrar em ser uma boa anfitriã, dando espaço para que nas reuniões colaterais se pudessem articular possibilidades de melhorar o relacionamento institucional entre os dois continentes. Assim também reuniões sobre os acordos Mercosul e União Europeia mostraram o aparente interesse. A Europa aumentou seu interesse pelo fechamento deste acordo, e mostrou em que direção pensa fechar não só esse, mas outros também. No item 31. da Declaração Conjunta, se fornece uma amostra das prioridades e urgências, onde na verdade o interesse europeu se dá prioritariamente nas cadeias produtivas descarbonizadas e no fornecimento de matérias primas críticas e tecnologias. Enaltece a modernização dos acordos com Mexico e Chile, e laconicamente registra o trabalho entre o Mercosul e a EU. O que mais surpreende nas declarações são afirmações de não conformidades, onde se deveria fazer um esforço como se não fosse dos próprios signatários. Assim reafirmam a importância de mobilizar pelos países desenvolvidos com urgência os recursos de 100 bilhões de US$ por ano para o suporte financeiro de adaptação climática de países em desenvolvimento. Se esta afirmação for levada a sério, o que a Europa como desenvolvida está fazendo? Assim seguem várias afirmações, como a insuficiência de acesso a água, eliminação de subsídios ambientais danosos, entre outros, que somente mostram a inoperância e falta de objetividade em torno de mera citação de solução de problemas.

Menciona o fato do empobrecimento da população por seu crescente endividamento e que a o desenvolvimento não deveria ser somente medido pelo PIB, mas buscar por caminhos que não levem os países a ter que optar entre o combate a pobreza e a mudança climática. Oferece neste sentido o Global Gateway Investment Agenda da EU, que reúne uma serie de projetos financiados pela EU.

A Declaração da Cúpula CELAC-EU 2023, reúne uma lista de reconhecidos problemas e de boas intenções de resolvê-las.

Uma outra perspectiva de avaliar este encontro é por aquilo que não consta na Declaração da Cúpula.

Não consta a visão conjunto das evoluções globais geopolíticas e as novas opções de prioridades pelas sociedades em um mundo mais polarizado. Ao ser convencional na análise e nas abordagens, não necessitaram de oferecer novos caminhos de integração regional nas Américas, onde a Europa teria por sua memorável biografia recente muito a contribuir institucionalmente. Não mencionaram que as Américas hoje são mais soluções do que problemas para a jornada da BioEconomia mundial, onde as contribuições na cadeia alimentar e dos agros produtos substitutos de matérias primas fosseis são uma colaboração de primeira ordem. A potencialização das energias renováveis em dimensões muito superiores à Europa dá a vantagem de serem descarbonizantes na cadeia produtiva europeia, em não restringir somente ao hidrogênio verde.

Não consta a repercussão das medidas unilaterais do Green Deal, que além de afetar negativamente os esforços de reduzir a miséria e a fome, não são eficazes o suficiente para reduzir os desmatamentos. Que medidas regionais podem ser mais eficazes no seu conjunto do que uma norma emanada em um dos blocos como sendo a única eficaz mundialmente.

Não consta que a Europa com seu Green Deal fechou as portas das importações agroindustriais ate 2050, e substituem o termo da “segurança alimentar” por “soberania alimentar” querendo justificar o fechamento de seus mercados agroindustriais. No momento que a soberania novamente é chamada à consciência publica, também se diz indiretamente que não temos mais alianças confiáveis, para nos abastecer em situações de crise – porém exatamente o contrário, é a verdade, não deixam os produtos latino-americanos competir no mercado europeu.

A conclusão que se pode chegar é que os princípios emanados são bons, mas não são seguidos, as necessidades são muitas, são registradas, mas não se da a devida solução nem encaminhamentos eficazes mas os interesses são inequívocos e claros. Neste quadro como a cooperação entre a Europa e o CELAC poderá progredir? Aos mais frágeis a opção será seguir o mais forte, e saber que não haverá solução sustentável a longo prazo, ou buscar outras opções de força que possam equilibrar os interesses, neste caso os EUA e a China.

O fato de que nesta Cúpula o protagonista foi Macron do lado europeu, mas faltou sua contraparte do lado da CELAC, talvez o jovem Gabriel Boric, ensaiou como esquerda nova, o chamado ao princípio da liberdade e democracia,  o que mostra o quanto a América Latina ainda precisa trabalhar na sua unidade. Lembrando que Macron,  que foi muito habilidoso, é também protagonista do Green Deal, que é bom para Europa e nem tanto para outros. A Europa sabe que não conseguirá alcançar seus objetivos climáticos sem a América Latina, e esta, está cada dia mais consciente de seus potenciais, mas ainda sem uma força coordenada.

Os tempos não estão desfavoráveis, pois estão soprando na direção certa do poder da sustentabilidade das cadeias produtivas alimentares e do agronegócio, das energias renováveis e das reservas ambientais na diversidade. Tudo isto está na América Latina, o que lhe faltam são mais lideranças jovens corajosas como Gabriel Borics, mais liberais e empreendedores, que visam o bem-estar de suas populações sem dogmas, promovendo a educação e a sustentabilidade econômica na ressureição social pela democracia.  

Ingo Plöger é empresário brasileiro, Presidente CEAL Capítulo brasileiro

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