O Programa Green Deal: Oportunidades e ameaças para a América Latina. Coluna de Ingo Plöger em português

A União Europeia lança seu desafio para o enfrentamento da Mudança Climática, com um vasto programa de medidas a serem tomadas até o ano de 2050, com o objetivo de reduzir o aquecimento global, denominado de Green Deal. Os objetivos são transformar a Europa ate 2050 a ser neutra na emissão de carbono, trazendo uma redução de 50% – 55% até 2030. 1)

A ação europeia tem chamado grande atenção internacional por suas consequências regionais e globais, tanto nas mudanças relativas à descarbonização, mudanças sociais, na mobilidade, estabelecendo objetivos elevados na redução de origens dos gases de efeito estufa, qualidade de vida e nas responsabilidades na sustentabilidade e governança. A população europeia por intermédio de suas instituições políticas, eleições e manifestações estão fortemente envolvidos na questão ambiental. Vários países e organizações internacionais, começam a se posicionar frente a esta iniciativa, até antes da COP 26 em Glasgow agora em novembro. O secretario geral da ONU, tem-se posicionado de maneira favorável, a opção europeia, assim como vários países do hemisfério norte. A União Europeia, inicia um processo de implantação de medidas na pauta de descarbonização das cadeias produtivas globais, que suprem a economia europeia. Portanto esta iniciativa, precisa ter uma reflexão no nosso continente quanto ao posicionamento em relação aos impactos positivos e negativos desta proposta. Os grandes temas do aumento da temperatura global se devem a temas, do consumo energético fóssil, da utilização de produtos de origem petroquímico, da mobilidade global, utilização de terras, e do processo industrial principalmente no que se refere ao tema de reutilização e economia linear. A meritosa iniciativa do Green Deal, mostra do engajamento de 25 países europeus, em trazer uma proposta estruturada para o debate global, partindo da pressão politica dos eleitores e da sociedade civil europeia, que vê na mudança climática a mais dramática ameaça ao Planeta. A demanda por esta mudança se observa na preferencia dos consumidores europeus e pela forte iniciativa do setor financeiro em se engajar em financiamentos ESG.

Os planos para atingir estes objetivos foram formulados em novas legislações para fomentar a economia circular, reformas imobiliárias, biodiversidade, agricultura e inovação. As ações politicas estão em vetores como energia limpa, indústria sustentável, construção civil, da fazenda ao prato ( farm to fork), eliminação da poluição, mobilidade sustentável, biodiversidade e financiamento sustentável. Sem dúvida,  exemplo de governança regional, que merece o respeito pelo esforço e pela coragem na formulação. Neste campo existem varias oportunidades para a América Latina, como fazer parte das cadeias produtivas globais descarbonizadas, oferta de produtos de conteúdo energético limpo, manter a biodiversidade de seus biomas, e ser receptor de financiamentos sustentáveis do tipo ESG.

Porem o modelo Green Deal europeu, apresenta uma serie de grandes riscos para a América Latina se adotado globalmente:

a) O modelo se baseia na realidade da Europa e não considera a particularidade regional de outras partes do mundo, e comete sérios equívocos em suas propostas especificas.

b) O Green Deal coloca uma serie de instrumentos voltados à descarbonização e do uso da terra, e da cadeia produtiva de alimentos, onde não oferece ate 2050 nenhuma perspectiva de abertura de seu mercado agrícola, ou seja, as medidas irão garantir o mercado agrícola europeu fechado, adicionado de critérios ambientais e climáticos, que poderiam ser facilmente atingidos se o mercado europeu agrícola fosse aberto. A consequência inevitável é que outros farão o mesmo, ou seja, vão construir seus critérios fechando mercados, construindo um novo protecionismo em nome do clima, e reduzindo a abertura de mercados globais.

c) Ambiguidade na mobilidade partindo para uma agressiva eletrificação, sendo a matriz elétrica da Europa 80% não sustentável. A eletrificação da mobilidade na Europa, não necessariamente se reflete na descarbonização.

d) Indicadores locais na Europa, não cabem na América Latina, ou em outros lugares do mundo, alguns exemplos:

  1. Redução em ate 50% de defensivos agrícolas ate 2050. Ora a Europa se situa em clima temperado e pelo rigoroso inverno, necessita de bem menos defensivos, que uma América do Sul de clima tropical, onde temos ate 3 colheitas por ano, sem invernos rigorosos
  2. Dar total preferência à logística de curtas distancias, frente aquelas de longa. Ora para produção de larga escala, como no Mercosul, o índice de transportes de longo curso no custo do produto é irrisório.
  3. Mudança radical de hábitos, reduzindo o consumo de carne bovina, para reduzir o GEE. Para uma população europeia que tem um consumo per capita acima de 80kg/pc/ano, isto pode ser uma realidade, mas para quem tem como na África em algumas regiões 8kg/pc/ano não faz o menor sentido.2)
  4. Criando um “ codex alimentarius” partindo de uma realidade europeia, com indicadores de qualidade, portanto de uma região rica, que em sua implantação vai aumentar o valor dos alimentos. Para quem como na Europa, os alimentos significam 14% em media da renda familiar, pode fazer sentido, mas para nações menos favorecidas como no caso da América Latina com 50% ou mais de valor dos alimentos na renda familiar, a história é outra.

e) Incentivos diretos de 20bilhões de Euros/ano na recuperação florestal e na biodiversidade, precisa ser vista sob o ângulo de subvenções indiretas a setores produtivos. A recuperação de florestas na América Latina, assim como o manejo de florestas de finalidade industrial são realizadas pela iniciativa privada, sem subvenções, o que não é uma realidade na Europa.

f) Descartando inovações como o flexfuel de bioenergias sustentáveis para veículos, que oferecem as mesmas condições de emissão do que os veículos elétricos, impede a exportação da América Latina para a Europa, tanto de biocombustíveis como veículos com esta propriedade.

Embora o Green Deal, ofereça uma concepção muito interessante para uma visão holística de medidas para o problema da mudança climática, não incorpora as diversidades de outras regiões e não abre sua economia no período proposto. Portanto antes de tomar as medidas legislativas para sua aplicação, deveria a EU dialogar com seus parceiros para fazer as devidas adequações, para que não haja reações, do tipo, que cada um faça o seu programa regional. Sairíamos ao final, com protecionismos verdes, e nos debatendo na OMC quem tem razão sobre o que, e não teríamos a solidariedade de soluções para o nosso Planeta. Certamente a América Latina, sai do dialogo sobre o sistema alimentar da ONU fortalecida, por suas posições unanimes, e serve de alerta para dialogarmos melhor com parceiros tradicionais como a Europa, antes de colocar em pratica soluções regionais.

Simplesmente exportar um modelo regional nestas condições, não será socialmente responsável nem ambientalmente adeuqado.

 

Para um problema global, soluções locais não são suficientes!

Ingo Plöger. Empresário brasileiro, Presidente CEAL Capítulo brasileiro

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